Seminário Internacional de Acessibilidade termina discutindo Tecnologia Assistiva e Educação Inclusiva
11 de maio de 2023, às 18h08 - Tempo de leitura aproximado: 11 minutos
O início da tarde do segundo dia do 6º Seminário Internacional de Acessibilidade do Crea-PR começou a com a palestra Tecnologia Assistivas, do Prof. Dr. da UTFPR, Vanderlei Flor da Rosa. “Antes de começar quero parabenizar pelo alto nível das palestras. O tema da inclusão é cíclico, as vezes está em pauta, avança nos debates, depois cai no esquecimento, há um retrocesso, mas, de qualquer forma, estamos avançando”, começou Vanderlei.
A experiência do Doutor em Educação com tecnologia assistiva teve início com a atuação no TecNep – programa de Educação, Tecnologia e Profissionalização para Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais – desenvolvido no antigo Cefet. “Fizemos uma grande força-tarefa para que mais trabalhos de conclusão de curso abordassem essa temática de Acessibilidade/Inclusão. Acessibilidade é uma questão multiprofissional, tem que ser reconstruída a todo o momento”.
Tecnologia Assistiva é um termo utilizado para identificar recursos e serviços voltados às pessoas com deficiência visando proporcionar a elas, autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social.
Vanderlei destacou que vivemos num mundo naturalmente exclusivo e que isso não depende somente de uma classe profissional. “A sociedade é exclusiva frente a diversa barreiras que enfrentamos, arquitetônicas, atitudinais, educacionais, profissionais. As barreiras comportamentais são as mais difíceis de contornar”.
A reflexão, segundo o professor, é se a tecnologia assistiva que vem sendo empregada no mundo todo tem o caráter de tecnologia social ou seja, de ser uma técnica criada para solucionar algum tipo de problema social, atendendo quesitos de simplicidade, baixo custo, fácil aplicabilidade (e reaplicabilidade) e impacto social comprovado. “Acho que ainda estamos muito longe dessa conjunção entre as tecnologias assistiva e social”.
Vanderlei reforçou que a existe uma legislação para a implementação da tecnologia assistiva e enumerou as categorias da mesma: Categorias de Tecnologia Assistiva; Auxílio para a vida diária e prática; Comunicação aumentativa e/ou alternativa; Recursos de acessibilidade ao computador; Sistemas de controle de ambiente; Projetos arquitetônicos para acessibilidade; Órteses e próteses; Adequação de postura; Auxílio de mobilidade; Auxílios para qualificação da habilidade visual e recursos que ampliam a informação para pessoas com baixa visão ou cegas; Auxílios para ampliação da habilidade auditiva e para autonomia na comunicação de pessoas com déficit auditivo, surdez ou surdocegueira; Adequação em veículos e em ambientes de acesso ao veículo; Esporte e lazer.
“Para os profissionais aqui presentes peço para projetarem qualquer local utilizando sempre o conceito de Desenho Universal, que propõe a criação de espaços com uso democrático, garantindo condições igualitárias em sua qualidade de uso”. O objetivo principal do Desenho Universal é permitir o uso de todos na sua máxima extensão possível, sem a necessidade de adaptações
Comissão de Acessibilidade do Crea-PR
O coordenador da Comissão de Acessibilidade do Crea-PR, Eng. Civ. Raiger Moreira Alves, falou sobre a atuação do Conselho em assuntos relacionados à acessibilidade. “A lei 5194/66, que abrange as áreas da Engenharia e Agronomia, determina que é uma responsabilidade profissional proporcionar acesso, conforto, proteção e segurança às pessoas. Essa legislação garante que a atuação dos profissionais deve ser voltada para realizações de caráter social e humano”.
Raiger lembrou que a lei é antiga, mas pouca coisa mudou desde a década de 60. “Fala-se muito de tecnologias e medidas, mas ainda faltam coisas que deveriam ser parte do dia a dia, como rampas de acesso.” É dever do Estado garantir o direito incondional e universal da acessibilidade a todas as pessoas, independente de suas limitações. É nesse contexto que o Crea-PR, como uma autarquia federal, deve atuar e foi por isso que foi criado o Programa de Acessibilidade.
Lançado em 2006, o programa tem como objetivo sensibilizar os seus funcionários para esse tema e garantir o atendimento às normas vigentes que garantam o acesso a todas as pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. Para atingir esses objetivos, o Crea-PR busca implementar ações para levantar questões de acessibilidade em todas as instâncias. Essas ações tornaram o Conselho referência em nível nacional para diversas entidades, instituições e órgãos. “Desde a sua fundação, mais de 15 mil pessoas já participaram de eventos, seminários, fóruns e capacitações em acessibilidade promovidas pelo Crea-PR”, conta o palestrante.
O coordenador do comitê destacou a ação realizada entre os anos de 2011 e 2012 quando todas as sedes da COPEL receberam treinamentos sobre acessibilidade e explicou que a ação conseguiu impactar todos os funcionários sobre o tema. Garantir a execução dessas iniciativas é uma das finalidades da Comissão de Acessibilidade, que trata de todos os assuntos relacionados ao tema. Em resumo, a Comissão analisa processos e demandas recebidas através do Ministério Público, das Fiscalizações Integradas de Acessibilidade, das fiscalizações de rotina e a partir de
denúncias da sociedade. Sobre a capacidade de fiscalizar assuntos referentes à acessibilidade, Raiger esclarece que “em todas as inspetorias do Crea-PR os fiscais são preparados para fiscalizar” e que a atuação vai dos ônibus às calçadas. Além disso, ele lembra que inclusive o assunto já foi abordado na websérie “Olhos do Paraná”.
Raiger finalizou sua palestra apresentando dados sobre a comissão de 2009 a 2023. Nesse período foram analisados 6.986 protocolos referentes ao tema e 2125 processos de fiscalização de acessibilidade. E lembrou que apesar de muitas demandas chegarem do MP, a sociedade geral também pode contribuir. “O Crea-PR está aberto para todos. Caso alguém identifique um problema com engenharia, a pessoa pode entrar em contato com o Conselho, mesmo que de forma anônima, e a fiscalização irá acompanhar a situação. A sociedade precisa se fazer presente. Muitas
vezes a pessoa tem o direito, mas não sabe que tem o direito. E as portas da Comissão de Acessibilidade estão sempre abertas para ajudar a garantir isso”, diz Raiger.
Educação Inclusiva
Martinha Clarete Dutra é um dos principais nomes do movimento de luta das pessoas com deficiência e foi, no começo do mês de maio, convidada a compor o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da Presidência da República, instalado em 04/05/23.
Ela é pesquisadora em Educação, com ênfase na educação inclusiva, na identificação, planejamento e aplicação pedagógica dos recursos de tecnologia assistiva. Tem experiência na formulação e gestão de políticas públicas educacionais, assim como na docência de nível básico e superior. Atuação no Fórum Nacional de Educação, Conselho Técnico Científico da Educação Básica , Conselho Técnico de Inovação Social, Comitê Interministerial de Tecnologia Assistiva, Comitê Brasileiro de Tecnologia Assistiva, dentre outros colegiados.
A Dra. traçou seu caminho conciliando o trabalho de militância, o trabalho profissional e o acadêmico. A educação inclusiva se tornou uma preocupação científica para ela: “Para mim, uma educação transcriadora, inovadora e disruptiva é uma educação inclusiva, porque educação inclusiva não quer dizer só acolher a pessoa com deficiência, quer dizer acolher todas as pessoas e valorizar os talentos, as capacidades de todas elas.” “Sociedade humanizada é uma sociedade que reconhece e valoriza a diferença.”
Falando sobre sociedade e diferença, ela levanta um tema importante. Sobre a meritocracia ela diz: “A meritocracia é uma estoria, com e mesmo, para fazer com que a grande maioria acredite que está à margem por culpa dela, que ela não tem acesso por culpa dela, que ela não teve escolarização por culpa dela. E se ela faz parte do exército das pessoas com deficiência fora do mercado de trabalho é por sua culpa, se não temos representatividade é por nossa culpa. A meritocracia é um fenômeno que parece inexplicável mas não é. A explicação é que produzimos e reproduzimos a desigualdade e a naturalizamos, como se fosse algo comum, biológico e não obra da nossa sociedade.”
Em sua fala sobre acessibilidade: “A acessibilidade serve para transformar o mundo em que vivemos e quebrar paradigmas”. Falar em inclusão, para ela, não é colocar todo mundo na mesma forma. Ela acredita que é preciso pensar coletivamente, mas também garantir a singularidade das pessoas. O capacitismo, para a Dra, representa a crença em um padrão corporal: corponormatividade. Ao se afastar desse padrão, a pessoa é considerada inapta a exercer diversas atividades, profissionais e sociais.
“Utilizamos uma régua para medir o que a pessoa não tem, e não o que ela tem”. Assim, reduzimos as pessoas com deficiência à sua deficiência. O capacitismo apaga, desumaniza e impede a pessoa de viver dignamente. É estigmatizante.
“Reduzir um sujeito a um atributo determinado, seja ele qual for, é sempre para excluí-lo.” Sendo que é só uma característica, não deveria reduzir ninguém. Esse modelo, segundo ela, se impõe sempre pelo aspecto da inferioridade, para enfatizar o que a pessoa não tem, o que ela não é.
A Dra. ainda enfatizou que qualquer pessoa pode se beneficiar de recursos criados hoje para pessoas com deficiência. Citou o exemplo do audiobook. Assim, há a necessidade de pensarmos uma sociedade inclusiva pensando nas pessoas que acreditam em um mundo para todas as pessoas, já que cada pessoa é um sujeito de direitos e ele tem que ter seu espaço de voz, de colocação. Falou sobre como, no Brasil, a acessibilidade ainda é pensada como algo supérfluo. Quando, segundo ela, qualquer sociedade democrática obrigatoriamente deve assegurar o acesso, o ir e vir, de todas as pessoas.
Levantou a questão de, na educação, ser necessário ouvir as pessoas, respeitar suas singularidades e, assim, ampliar as ferramentas, os modos de aprender. As pessoas com deficiência devem ter decisão e poder estar no espaço que quiserem. Precisa-se pensar na construção de ambientes em que todas as pessoas sintam-se acolhidas:
“Eu, por exemplo, faço questão de fazer pilates, e o professor deve buscar a melhor forma de me ensinar . Se eu só for no pilates em espaços frequentados por pessoas com deficiência, as pessoas nunca vão encontrar comigo e o estado continuará me segregando. É mais barato segregar.”
O AEE – atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. Ele prevê um profissional de apoio obrigatório nas escolas e universidades. Ela cita como exemplo uma criança em fase de aprendizado em que aprende brincando. Assim, deve ser ofertado a ele espaço e tempo de brincar com as outras crianças, oferecer os meios para que essa criança brinque. Para ela a escola e a universidade tem obrigação, também, de promover inovação, criar novas ferramentas de aprendizagem para todos e aprimorar as já utilizadas:
“O desenho universal da inclusão precisa ser um critério universal.”
Depoimentos do público
A presidente do Crea-PA, Eng. Civ. Adriana Falconi, que esteve em Curitiba para participar do evento, afirma que acessibilidade é seu tema favorito dentro da engenharia. Inclusive, segundo ela, este foi o tema escolhido para seu trabalho de conclusão do curso de engenharia. “No Pará, nós não temos falado sobre este tema. E, neste sentido, o Crea-PR já é um norteador sobre o tema de acessibilidade. Por isso, viemos participar do seminário. O evento foi extremamente essencial e de excelência”, disse a engenheira.
Nilson Cardoso, engenheiro agrônomo de Maringá, também fez uma avaliação positiva do evento. “Esse seminário internacional de acessibilidade dá continuidade a uma série de eventos promovidos pelo Crea-PR ao longo dos anos. Esses eventos sempre contaram com palestrantes de alto nível, inclusive de nível internacional, e trouxeram novidades para a área”, afirmou Nilson.
Segundo ele, a acessibilidade é um campo em crescimento, porém, ainda requer ajustes. “Ao longo do tempo, temos observado que as grandes cidades vêm realizando esses ajustes, proporcionando melhores condições de acesso para cadeirantes e pessoas com deficiência em diferentes níveis, seja auditiva ou de locomoção. As novas tecnologias têm contribuído significativamente para melhorar a mobilidade e as condições de vida das pessoas com deficiência em geral”, acrescentou.
Valmor Pietsch, é engenheiro agrícola e trabalha com construções rurais, em Cascavel, região Oeste do Estado. Para ele, o seminário foi importante para a troca de experiências, inclusive internacional, entre os participantes. “O evento também foi relevante para a engenharia e para a indústria, pois mostra a sensibilidade em relação à acessibilidade não apenas nas áreas urbanas, mas também nas áreas rurais”, avaliou.
O presidente do Crea-PR, Eng. Civ. Ricardo Rocha, encerrou o evento lembrando todo o trabalho em prol da divulgação da importância da prática da Acessibilidade que o Conselho faz por meio de ações de comunicação como assessoria de imprensa, Websérie, entre outros.
Acesse o álbum de fotos do evento aqui.
Comentários
Nenhum comentário.